A reinvenção do papel do pai
Por Maria
Luisa de Moura Carvalho,
psicanalista e especialista em psicologia
jurídica
Começou bem de mansinho. Ele, como quem não
queria nada, afastou a sogra na hora do parto e se fez
presente naquele
momento único e inesquecível: a chegada do filho já amado. O ato lhe
possibilitou
construir uma sólida e carinhosa ligação amorosa com seu
rebento, bem diferente da que tivera com seu
próprio pai.
E assim,
timidamente e um pouco sem jeito – afinal estava sob a mira dos olhares
incrédulos e críticos
das mulheres (até de sua própria mãe!!!) – banhou
sua cria, aliviou suas cólicas e o pôs para dormir.
Depois, veio o
segundo filho. A mulher, aflita e dividida entre sua profissão e os cuidados
com a
prole, não encontrou outra maneira a não ser abrir mão do poder
materno – outorgado pelos médicos higienistas no século XIX – e, mesmo
sentindo-se terrivelmente ameaçada por ter de dividir seu território, deixou
que este homem passasse a compartilhar a educação dos filhos.
Assim
está surgindo uma nova geração que reinventa o papel de pai, deixando para
trás o modelo de pai
provedor e autoritário desempenhado pelas
gerações anteriores. Estes novos pais começam a ser vistos
sozinhos, nas
portas dos colégios, nas reuniões escolares, passeando com seus filhotes nos
parques,
demonstrando carinho e amorosidade antes impensáveis, derrubando
com este novo comportamento o mito de que só a mulher está apta naturalmente
a cuidar de uma criança.
Nas últimas novelas da TV Globo estes novos
pais foram magnificamente retratados pelos personagens de Edu, divorciado
(Coração de Estudante), Cristiano, viúvo (Celebridade) e Esteban, pai
solteiro (Kubanacan). Os três demonstraram total aptidão e desenvoltura
nos cuidados cotidianos das crianças. Sem apelar para ajuda da própria
mãe, vizinha ou namorada, resolviam tudo sozinhos e tinham excelente
relacionamento com os filhos.
Mas apesar das evidências de que os
novos pais começam a se multiplicar, o direito de família tem
demonstrado que não está acompanhando esta evolução dos usos e costumes de
nossa sociedade. Faço tal afirmação porque nos processos de regulamentação de
visitas dos filhos menores, em casos de separação conjugal, os
juízes continuam seguindo o padrão que já se tornou clássico: estabelecer
as visitas paternas em fins de semana alternados. Não se percebe nos
operadores de direito a compreensão de que as caraminguadas e
jurássicas visitas quinzenais praticamente impossibilitam a construção e
consolidação dos laços afetivos que devem existir entre pais e filhos. A
intimidade, a cumplicidade com os filhos torna-se, para os novos pais,
sonho impossível.
Como o filho pode ter intimidade com um pai que só
vê de quinze em quinze dias? Como não estranhar sua casa, sua eventual
namorada ou até mesmo seus pais, irmãos e filhos, ou seja, a outra linhagem,
se são vistos
apenas esporadicamente? Como se sentir em casa se estes fins
de semanas alternados são designados pela
Justiça como visitas? E como, ao
tornar-se adolescente, irá querer passar o fim de semana na companhia do
pai, cuja chance de ter se tornado um estranho aos olhos dos filhos é tão
grande?
Por outro lado, como o pai pode reconhecer uma inquietação no
filho sem plena convivência com ele?
Como acompanhar o desenvolvimento de sua
prole, suas descobertas, protegê-los de erros e orientá-los em
seus
deslizes se são mantidos a distância pela Justiça?
Quantos pais
insistem sistematicamente para participar mais da vida de seus filhos e são
barrados por ex-mulheres poderosas e controladoras, que preferem educar
seus filhos sozinhas, para não perder o poder sobre eles? Como saber do
comportamento do filhote na escola, do boletim escolar, se
algumas mulheres se vingam de seus ex-maridos privando-os de todas as
informações? Pesquisas afirmam que muitos pais acabam se cansando e
afastando-se de seus filhos por não se conformarem em desempenhar o papel
de visitantes na vida da prole.
Curadores e Juízes, despertem! É
chegada a hora de mudar. A psicanálise nos ensina que pai e mãe
são fundamentais na formação do psiquismo de seus filhos.
Não permitam
mais a visita quinzenal. Troquem a fatídica e nefasta palavra visita por
convivência familiar, pois usar as palavras certas pode se constituir em
reforço simbólico na consolidação dos deveres e direitos entre pais e filhos.
Instituam pelo menos um dia na semana para o pai estar com o filho; e que
o fim de semana comece na sexta-feira e termine na segunda. Assim teremos
crianças e adolescentes mais felizes, certos do amor que pai e mãe
nutrem igualmente por eles. Vamos, finalmente, criar condições para que
surjam cada vez mais novos pais, apesar do aumento do número de separações
conjugais.
Amor e convivência familiar nunca são demais!
Feliz
Dia dos Novos Pais!
Publicado em 05/08/2004, na coluna Sem Censura do caderno Educação do jornal Folha Dirigida.