quinta-feira, 6 de setembro de 2012

Consenso não é necessário para guarda compartilhada

Lei da guarda compartilhada ainda é pouco adotada por juízes
Apesar dos benefícios que a guarda compartilhada pode trazer para
filhos de casais divorciados, essa decisão é decretada em apenas 5,2% dos casos


É lei, a questão está legislada, mas como é Brasil, até os juízes se permitem ignorá-la, reclamam pais preteridos pela guarda unilateral reunidos em associações formais ou informais como a Pais para Sempre, Pai Legal e várias outras outras no país.  Apesar de o Código Civil Brasileiro determinar que após a separação dos pais a guarda dos filhos deve ser compartilhada, essa decisão foi tomada em apenas 5,2% dos casos de separações judiciais concedidas a casais com filhos menores de idade. As mulheres ficaram com a guarda unilateral em 88,8% das vezes. Os dados são do Censo 2010 do IBGE.
A Lei que consagra no Código Civil Brasileiro o instituto da guarda compartilhada, determina que, sempre que possível essa modalidade de guarda deve ser aplicada mesmo quando não houver consenso entre pai e mãe (De nº 11.698, de 13.06.o8). “Porém, estatisticamente se verifica que um viés de gênero em favor das mulheres ainda está presente nas decisões dos juízes brasileiros, que não seguem o que determina o Código Civil”, comenta Paulo André Amaral, pai de dois filhos e servidor público. “Na maioria dos casos, os pais são privados da criação de seus filhos, sendo transformados, independentemente de sua vontade, de pais em ‘visitantes de fim de semana’, afinal, pai é quem cria”, ressalta ele.

A psicanalista Maria de Lourdes Mattos diz que a convivência entre pais e filhos é muito importante tanto para os filhos, quanto para os pais. “A separação é do casal e não dos filhos. Os casais muitas vezes confundem isso querendo que crianças e adolescentes tomem partido em sua briga”, explica. “É muito ruim para um filho quando ele é privado de compartilhar sua vida com um dos pais. Ele tem direito a essa relação e só deve ser privado dela quando for comprovado que a mesma pode lhe trazer algum prejuízo físico ou emocional”, acrescenta.
Num momento em que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) lançou campanha pelo reconhecimento espontâneo da paternidade de filhos sem o registro paterno, como parte do programa Pai Presente, cabe à sociedade brasileira discutir também a questão da aplicação da Lei da Guarda Compartilhada, para que os pais não apenas assumam sua paternidade, mas também possam compartilhar a criação de seus filhos mesmo quando estiverem separados da mãe.
A moderna legislação brasileira visa ao benefício dos filhos, que têm direito a receber a educação e a influência de ambos os pais, mesmo após a separação deles. Por isso a Lei prevê que, se ambos os pais têm vontade e condições de exercer a guarda de seus filhos, os dois devem fazê-lo, mesmo que um deles não queira compartilhá-la com o outro. A vontade desse pai, ou dessa mãe, que não quer compartilhar a guarda não pode se sobrepor ao interesse da criança, que é ter pai e mãe presentes em sua criação cotidiana, o próprio STJ comunga dessas ideias, que integram decisão histórica daquele Tribunal Superior favorável à guarda compartilhada mesmo em litígio. “No entanto, o conservadorismo dos juízes brasileiros está impedindo que a lei seja cumprida”, completa Paulo Amaral.

Consenso não é necessário para guarda compartilhada
Ocorre que as sentenças dos juízes das instâncias inferiores divergem dessa decisão do STJ, segundo a qual a falta de consenso entre os pais não justifica a não aplicação da guarda compartilhada. Segundo a ministra do STJ Nancy Andrighi, se fosse assim, a Lei da guarda compartilhada seria “letra morta”.  Nessa decisão, o STJ esclarece que o melhor para a criança é poder continuar a ter o duplo referencial – de pai e de mãe – mesmo após a separação do casal, ainda que para isso o juiz precise dividir períodos e atribuições com cada genitor.
Segundo o advogado e psicólogo Marcello Maia Soares, pai de um menino de sete anos, os juízes geralmente fundamentam a recusa de concessão da guarda compartilhada no que se denomina "princípio do melhor interesse da criança", que funciona como um canal aberto para o juiz projetar seus preconceitos sobre a sociedade, como o estereótipo do pai desinteressado e irresponsável, aquele que abandona os filhos e o lar, que não paga pensão, etc. Assim, para esses juízes, o "melhor interesse da criança" passa a ser, então, ficar exclusivamente com a mãe, a despeito do que diz a Lei e o STJ.