sábado, 25 de agosto de 2012

PAI PODE TER A GUARDA?


Pai pode ter a guarda? Por Sócrates Nolasco, psicoterapeuta

PAI PODE TER A GUARDA?

Exclusivamente em casos extremos. Mas afinal, será que é preciso chegar até este ponto? Expor uma criança a situações de abuso e violência até que a justiça resolva quebrar o tabu que fez da mãe alguém imaculada e intocável?

Isto é o que tem acontecido diariamente nas varas de família do Rio de Janeiro. Para uma mulher deixar de ter a guarda de uma criança é necessário que ela for publicamente a encarnação da escória. Este aspecto parece ser um consenso entre a maioria dos advogados desta cidade quando são consultados por homens que desejam cuidar de seus filhos(as) depois de uma separação.

Diariamente encontramos no consultório mulheres e homens filhos de mães coniventes ou autoras de abuso e violência durante a infância. Relatos que permanecem como segredos,  guardados durante anos sob o bastião do terror. Depois de terem suas vidas marcadas e a inocência traída, estas crianças crescem inseguras e temerosas, sinalizando para nós um sofrimento profundo gerado por aqueles a quem as leis tratam como imaculadas e inquestionáveis.

É bom lembrar que sob pretexto de serem representantes da doçura, da delicadeza e da maciez, o feminino nesta cultura também se revela em Medéia e Jocasta. A violência da mulher, diferente da do homem se exerce na invisibilidade mas produz danos nem sempre vistos a olho nu. Quando um homem age violentamente, o faz pela força física e  o dano causado pode ser medido. Mas admitir que uma dona de casa, uma executiva, uma professora, uma doméstica ou uma mãe possa ser violenta ainda é um tabu.  Se uma mulher bate ou violenta uma criança isto é considerado sinal de correção, firmeza e educação. A sociedade é permissiva para com esta atitude, mesmo que os dados disponíveis na ABRAPIA nos indiquem que no cenário doméstico a mulher é o principal agressor da criança.

E as varas de família, por que será que não consideram estes dados quando avaliam o pedido de guarda feito por um homem ?  

O que será que acontece dentro do coração daqueles que representam a justiça que mesmo diante de tantos dados sobre violência contra crianças, ainda se colocam impassíveis diante do pedido de guarda feito por um homem? Parece que o que os deixa temerosos é o fato de poderem quebrar uma corrente psico-cultural que define o filho como um objeto da mãe, objeto este que ela pode manipular e carrregar consigo como um patrimônio.  Ou será que alguns dos operadores do direito, que já foram crianças, podem ter sofrido algum tipo de violência que os deixou temerosos o suficiente para perpetuarem esta cadeia perversa se valendo da máscara da lei?

Enfim, enquanto a justiça não revê suas atitudes continuamos vendo meninas e meninos ouvindo que “tapinha não dói”, ou ainda “tá dominado”  (...) “ mexe, enfia, remexe”  como slogans que refletem o projeto de uma sociedade omissa, comprometida com a popularização e divulgação de uma determinada sensualidade brasileira “moderna”.

Esta cultura emancipada, sem censura, liberada e politicamente correta impôs aos homens um certo constrangimento quando estes desejam exercer seus direitos. Esta mesma sociedade vem banalizando a masculinidade e transformado-a em algo “ de direita” , retrógrada e ultrapassada mantendo o preceito de que os filhos(as) devem ficar preferencial e exclusivamente sob os cuidados da mãe. E talvez esta atitude esteja correta, afinal deve haver um propósito em tudo isto: nos convencer que zelo mudou de nome e se transformou na indústria da bunda.

Sócrates Nolasco, psicoterapeuta,prof. ECO/ UFRJ

Publicado no Jornal do Brasil em 8 de março de 2001
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O Artigo acima, em que pese a data de sua última publicação, é uma prova das dificuldades que encontramos para mudar a cultura.
Note-se que o autor, em 2001, já apresentava argumentos óbvios, e hoje há mais de 10 anos, ainda estamos tentando convencer pais, mães, e principalmente operadores do direito de que o melhor para a formação sadia de uma criança é o convívio com os ambos os pais, mesmo que separados. (Sérgio Moura - ABCF, Ago 2012).