Filho ausente
Crianças devem decidir se querem ou não a companhia de um de seus
pais? Hoje, elas têm esse poder
Depois
da comemoração do Dia dos Pais, algumas famílias tiveram de enfrentar situações
muito parecidas com o que chamamos de ressaca. As famílias em questão têm um
ponto em comum: o fato de o casamento ter se dissolvido após o nascimento dos
filhos. Vamos a dois exemplos que podem servir de referência para a nossa
conversa de hoje.
Num
dos casos, o rompimento do casamento é recente. Há menos de um ano, o casal
decidiu se separar e os filhos -dois, com menos de seis anos- ficaram com a mãe.
O pai é muito presente, encontra-se com os filhos pelo menos dois dias na semana
ou mais, quando há oportunidade na rotina de todos.
Mesmo
a separação tendo ocorrido por desejo dos dois, ainda paira no ar uma tensão e
isso quase sempre se revela com os filhos. Foi o que aconteceu no Dia dos
Pais.
O
filho mais velho, agora com seis anos, resolveu que queria passar o domingo com
a mãe. Por mais que ela tenha tentado convencê-lo das mais variadas formas a
ficar com o pai, nada o demoveu de sua decisão. Resultado? A menina mais nova
ficou com o pai, e o mais velho, com a mãe.
Agora
adivinhe o que aconteceu, caro leitor: restou um sentimento de culpa enorme para
essa mãe. E a pergunta dela é: "Eu deveria ter obrigado meu filho a ir com o
pai, mesmo com todo o escândalo que ele aprontou?"
O
segundo caso tem componentes bem diferentes do primeiro, mas a cena final é
muito semelhante. O casal separou-se há mais de dez anos de um modo muito
conturbado e uma das consequências foi o afastamento do pai durante anos.
Depois
de casar-se novamente e ter filhos da segunda união, esse pai tem tentado se
reaproximar do filho do primeiro casamento, agora com 13 anos. Inicialmente, o
menino aceitou de bom grado a presença do pai, mas no domingo não quis almoçar
com ele e sua nova família por ciúme: queria estar sozinho com seu pai.
O
sentimento de culpa, agora, é do menino: ele me perguntou se eu acho possível
seu pai perdoar sua atitude. É que até agora o pai não deu notícia e ele acha
que será novamente abandonado. Um ponto importante dessa situação: a mãe do
garoto, segundo ele, apoiou sua decisão.
Uma
pergunta pode nortear nossas reflexões: crianças e adolescentes devem ter o
poder de decidir se querem ou não a companhia de um de seus pais?
Atualmente,
eles ganharam esse poder e devo dizer que eles não têm condições de exercer o
poder que ganharam. Por quê? Vamos à resposta mais simples: porque eles ainda
não sabem considerar a complexidade das situações que decidem. E, justamente por
isso, irão arcar, agora ou mais tarde, de modo mais ou menos comprometedor para
eles, com as consequências de suas decisões.
No
primeiro caso citado, o garoto de seis anos já dá sinais de que algo não vai
bem: tem tido pesadelos quase todas as noites. O interessante é que a mãe, que
sente a culpa por ter deixado o filho recusar a presença do pai, entende que os
dois eventos estão associados, já que o primeiro pesadelo foi logo no Dia dos
Pais.
Pode
ser apenas coincidência, mas a relação que a mãe faz já é um sinal de que ela,
no fundo, sabe que deveria ter agido de modo diferente com o filho.
No
segundo caso, a situação criada pela circunstância vivida pode provocar uma nova
ausência do pai na vida do filho adolescente, já que temos tido a tendência de
encarar os mais novos como se fossem adultos. Não seria inusitado na atualidade
esse pai se magoar com a atitude do filho e decidir se afastar por acreditar que
o filho não quer sua presença.
Bem,
os mais novos têm o direito de crescer com a companhia de seus pais, estejam
eles casados ou não. A questão é que eles não sabem que isso é um direito: somos
nós que precisamos garantir isso a eles.