domingo, 28 de outubro de 2012

Diário do Nordeste de Fortaleza - Guarda compartilhada é minoria


SEPARAÇÃO

Guarda compartilhada é minoria

28.10.2012
Apesar de ser a ideia mais indicada por psicólogos, essa iniciativa ainda não é tão aplicada no Estado

Com as mudanças da sociedade nos últimos 20 anos, em que as mulheres passaram a ficar mais tempo fora de casa e conquistar cargos importantes nas empresas, os homens começaram a ficar mais participativos na criação dos filhos. Agora, não é tão difícil achar pais que aceitem o desafio de trocar fraldas e cuidar de bebês sozinhos e que queiram contribuir não só nas brincadeiras, mas também na escolha da escola e do pediatra.

Bárbara Nepomuceno e o pai, o produtor cultural Osiel Gomes vivenciaram a guarda compartilhada na prática. O funcionário público Paulo André Amaral ainda luta para ter a guarda compartilhada da filha, Beatriz. Fotos: Kid Júnior/Fabiane de Paula

Porém, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) aponta que o número de divórcios cresceu 100% no Ceará nos últimos dez anos. Enquanto, em 2000, o grupo de divorciados somava 49.137 pessoas, em 2010, passou para 120.725. E, com essa participação mais efetiva dos pais na educação, também crescem os pedidos deles de mais contato com os filhos, seja através da guarda alternada ou mesmo da compartilhada.

De acordo com a coordenadora do Núcleo de Apoio à Jurisdição do Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE), a psicóloga jurídica Denise Moreira, os pedidos de perícia de psicólogos e assistentes sociais, solicitados pelo juiz quando não há acordo entre os pais sobre quem vai ficar com a criança, só aumentam. "Em 2010, registramos 565 pedidos. No ano seguinte, uma média de 700 e, neste ano, cerca de 800".

Laço
Contudo, por mais que os pais ainda tenham mágoa um do outro, é importante que não haja a privação das crianças no contato com os dois. "O laço conjugal é rompido, mas não o laço parental. É muito importante que a criança tenha esse contato diário, para que não sofra o estigma de ser filha de pai ou mãe ausente, comum nos casos de guarda unilateral", explica.

Para que o laço não fosse desfeito, o funcionário público Paulo André Amaral deixou Brasília para morar em Fortaleza. A mãe de Beatriz Amaral, 9 anos, sua filha única, detém a guarda unilateral e mora em Fortaleza. Visando continuar convivendo diariamente com a filha, o servidor do Banco Central pediu transferência. A guarda compartilhada já foi solicitada, mas tramita em Brasília há mais de cinco anos, pois a mãe alega que eles não têm bom relacionamento. "Como não tenho a guarda compartilhada, no dia que a mãe quiser se mudar novamente, ela pode".

Para ficar mais perto de Beatriz, Paulo André Amaral não poupou esforços. "Perdi uma gratificação de R$ 3.500, mas, por ser funcionário público, pude mudar de cidade, além de ter bons advogados. E quem não tem essa condição? Fica impedido de ter contato com o filho".

Já o produtor cultural Osiel Gomes tem essa convivência diária e compartilha todas as responsabilidades com a ex-mulher, a empresária Mônica Nepomuceno, de quem se separou há 14 anos. Neste caso, a guarda também era unilateral, de posse da mãe, mas pelos ex-cônjuges morarem perto, Bárbara Nepomuceno, 19 anos, sempre esteve com os dois. "Eu sabia que teria para onde ir, dependendo do meu humor. Mas, a maioria das minhas coisas estão na casa da minha mãe", conta Bárbara, hoje estudante de administração.

Essa referência de lar é importante e pode ser prejudicada com a guarda alternada, alerta a psicóloga. "A criança precisa ter referência de lar, até para explicar onde mora para na escola".

Processos são centralizados em uma Vara de Fortaleza

Na comarca de Fortaleza, tramitam 2.962 processos de petição de guarda. Porém, das 18 varas de família existentes, apenas uma, a 16ª, é responsável por julgar esse tipo de processo. Destes quase três mil pedidos de guarda, a juíza responsável por essa vara, Maria Albeni de Freitas Vasconcelos, garante que os de guarda compartilhada não são a maioria, mas sim a guarda unilateral.

Juíza Maria Albeni de Freitas Vasconcelos é a responsável pela 16ª Vara de Família, que cuida dos processos de guarda judicial FOTO: JOSÉ LEOMAR

"Os pais confundem muito guarda compartilhada com guarda alternada, que são duas coisas completamente distintas. E, algumas vezes, esses pedidos vêm parar aqui por causa de pensão alimentícia. Não há como se ter a guarda compartilhada se não houver acordo entre os pais", explica.

Na opinião da juiza, um casal que se separa e que na relação há litígio não consegue se entender quanto ao bem-estar da criança. "Como um casal que briga constantemente pode se entender para definir a escola da criança ou o pediatra que irá atendê-la? Como é possível para um casal que não se entende dar conta dos cuidados com uma criança?".

Para o presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM) no Ceará e da comissão de Direito de Família da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/CE), Marcos Duarte, a prerrogativa que os pais precisam que ter uma relação amigável para existir guarda compartilhada é falsa. "A guarda compartilhada é a situação ideal para a criação dos filhos e os magistrados, infelizmente, fazem questão de não entender que isto está na lei, que diz que quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do filho será aplicada, sempre que possível, a guarda compartilhada", cita.

Em outros países, como os Estados Unidos, segundo Marcos Duarte, a lei da guarda compartilhada já é aplicada com sucesso há mais de 20 anos. "Lá, se os pais estão em litígio, eles são obrigados a entrar em acordo em nome do bem-estar da criança, que não pode servir de instrumento para os ressentimentos desse casal", relata.

Direito

Na opinião de Marcos Duarte, o fato de a lei da Guarda Compartilhada ainda ser pouco cumprida se deve ao Direito no Brasil ser mais influenciado pelo Direito romano que o Direito inglês, onde nasceu essa lei. "No Direito Romano, os pais tinham muito poder sobre os filhos, ao ponto de decidirem sobre a sua morte ou trocá-los por mercadorias. Foi na Inglaterra que os filhos passaram a ser considerados sujeitos de direitos e não meros objetos. Porém, o Direito brasileiro tem muita influência do Direito romano, assim como da igreja católica, que ajudou a emperrar, inclusive, a Lei do Divórcio".

O advogado ainda considera grave o fato de a comarca de Fortaleza centralizar na 16ª Vara de família todas as decisões sobre guarda judicial. "É muita sobrecarga para apenas uma pessoa. O poder judiciário precisa acordar para isso. Nós, da comissão de Direito de Família da OAB protocolamos um pedido para que se aumente o número de varas para pelo menos duas", ressaltou Marcos Duarte.

FIQUE POR DENTRO
Lei da guarda compartilhada vigora há 4 anos
A Lei nº 11.698/2008, que estabelece a guarda compartilhada, entrou em vigor no dia 15 de agosto de 2008. Foi sancionada ainda no governo do Presidente Lula.

Na guarda compartilhada, mãe e pai têm os mesmos deveres e obrigações na criação dos filhos e também oportunidade igual de convivência com eles. Na prática, significa dizer que questões como onde a criança irá estudar ou qual médico pediatra irá atendê-la deverão ser resolvidas em conjunto.

O sistema está previsto na lei norte-americana desde 1975 e em países da Europa há mais de 20 anos. Com a guarda compartilhada, o juiz explicará às partes o significado do sistema, incentivando a adoção dele.

Essa lei determina explicitamente que esta deve ser a modalidade preferencial de guarda a ser aplicada pelo judiciário, inclusive como forma de se evitar a Alienação Parental (AP) e, por consequente, a Síndrome da Alienação Parental (SAP).

OPINIÃO DO ESPECIALISTA

Opção salutar para filhos e pais

Sabrina Matos
Psicóloga, psicanalista e professora da Unifor

Toda criança almeja e deseja ser criada pelos dois progenitores. Essa relação a três vai possibilitar a criança estruturar-se. Entre três pessoas, os afetos e pensamentos circulam. Essa tríade inicial é fundamental. Françoise Dolto, uma psicanalista francesa, afirma que se não há uma educação a três há sempre o germe de uma psicose. Mas, felizmente, continua ela, nem todos os germes se desenvolvem!

Exatamente por isso que crianças oriundas de lares desfeitos não vão apresentar necessariamente distúrbios psíquicos. É sempre a maneira como o novo cenário vai ser organizado. Não existem ex-pais, ex-mães, ex-filhos, o que existem são casamentos e uniões que se desfazem, mas as referências materna e paterna vão continuar.

Uma criança que é privada da presença de um progenitor é como um hemiplégico, ou seja, somente uma metade funciona tendo como referência, como espelho, o adulto de quem depende de tudo na sua vida.

A questão da guarda compartilhada pode ser absolutamente salutar para filhos e pais no sentido de possibilitar essa troca que é tão importante. Todo ser humano tem em si uma ideia do que é a mãe e do que é o pai, mesmo que não tenha tido um "pra valer". Participar da vida dos filhos não é uma regra mesmo em lares onde todos moram juntos. Muitas vezes, os pais atribuem a tarefa de criar os filhos a terceiros (escola, babás, profissionais, etc.). Portanto, como o próprio nome diz: compartilhar a guarda, dividir, participar. É sempre o mais importante para a criança.

KELLY GARCIAREPÓRTER
http://diariodonordeste.globo.com/materia.asp?codigo=1197495